quinta-feira, agosto 10, 2006

A Mimese na Relação Entre a Biografia e a Narrativa

Augusto Carvalho


Introdução

O filósofo-lógico inglês Bertrand Russell (1872-1970), ganhador do prêmio Nobel de Literatura em 1950, afirmou que três grandes desejos marcaram a sua vida: o desejo de ser amado, o desejo de aliviar o sofrimento humano e o desejo de saber. (http://plato.stanford.edu/entries/russell/)

Esse mesmo desejo de saber de Russell é compartilhado por vários estudiosos que se lançam em pesquisas em busca de respostas para os mais variados problemas.

De um grosso modo, as pesquisas são classificadas em dois tipos: quantitativas e qualitativas. A primeira é um método que utiliza técnicas estatísticas, com grande utilização na Física, enquanto o segundo é mais utilizado em ciências sociais, sem todo o apelo numérico e focado na identificação de problemas. O uso de uma não exclui a outra, ambas se completam para a realização de um trabalho bem feito. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Pesquisa_de_mercado_qualitativa)

Nós últimos anos, várias empresas de TI, notando a importância de entender melhor seus usuários e objetivando a criação de novos produtos, têm utilizado a pesquisa qualitativa.

O estudioso Uwe Flick, discursando sobre a pesquisa qualitativa, afirmou que um dos aspectos básicos desse método é considerar o texto como material empírico. O texto, consoante esse autor, possui as seguintes finalidades: representar os dados inicias da pesquisa; servir de base para as interpretações; e ser um meio de comunicação das descobertas realizadas.

Um dos grandes questões que devem ser consideradas na utilização de textos é a questão do que acontece na tradução da realidade para o texto e no caminho de volta, do texto a realidade. Nesta questão, deve-se partir do princípio que uma vez feita à coleta de informações e escrito o texto, esse texto passa a ser a realidade. Imagine uma situação em que é feita uma atividade em grupo, na qual se coleta as impressões das pessoas. Dificilmente será possível consultar aquelas mesmas pessoas, precisando o estudioso se concentrar no material que possui e fazer suas interpretações.

Texto como concepção do mundo

Vários estudiosos vêm reiteradamente afirmando que é uma missão inglória tentar reduzir a relação do texto e a realidade há uma simples representação de fatos. Segundo Alfred Schütz, os fatos por só não existem, seu valor se deve à seleção e interpretações feitas pela nossa mente. Logicamente essas interpretações se devem a uma bagagem de conhecimento que as pessoas possuem. Conhecimento este do cotidiano, da ciência e da arte.

Figura 1 – Flick, Uwe – Introdução à Pesquisa Qualitativa. 2ºEd., p. 48.

A figura acima mostra bem o ciclo de elaboração de um texto dentro de uma pesquisa. Primeiramente temos os eventos que o pesquisador observa, sendo classificado como experiência, em seguida tem-se a construção do texto a partir das versões de mundo, fruto do conhecimento e finalmente a interpretação que se é feita do texto, atribuindo algum significado.

Mimese

Tentando melhorar o ciclo acima, os pesquisadores sociais utilizam-se de um conceito antigo advindo da Grécia Antiga chamada mimese bastante utilizado na Literatura. Aristóteles, em seu livro Poética, define mimese como sendo a imitação da vida interior dos homens, seus sentimentos, seu comportamento (http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=mimese&stype=k).

Gebauer diz que mimese poderia ser compreendida como a arte imitando a vida. (http://books.google.com/books?vid=ISBN0520084594&id=G23Q1YLscgcC&dq=mimesis:+Culture,+Art,+Society+-+Gebauer).

Mas, o que isso tem a ver com as pesquisas qualitativas? Em que situações isso seria interessante?

Vamos fazer um teste. Quando lemos uma história, criamos, através da descrição do autor, os locais onde as coisas se sucedem. Tentamos mergulhar na realidade vivida pelos personagens mesmo nunca tendo os visto. Logicamente, como foi visto no item Texto como concepção do mundo, cada um vai ter uma compreensão diferente, mas isso não impede a atividade.

Algumas narrativas biográficas podem ser comparadas a histórias. Porém, elas não são simples relatos, pois, por parte do narrador, ele precisa que o outro aprenda o que ele está transmitindo e por parte do ouvinte, ele precisa fazer um esforço interpretativo das mensagens escutadas idêntica a uma relação entre narrador e leitor. Caso parecido acontece em Informática quando um analista está conservando com o seu cliente sobre a especificação de requisitos de um sistema. Um relata as suas expectativas, os requisitos, e o outro tenta compreender o que é transmitido tentando escrever os casos de uso.

Com isso é possível perceber que há um esforço em transformar as informações recebidas em algum significado, as experiências passam a ter valor simbólico sendo estão textualizadas. Uma vez textualizadas é possível novamente interpreta-las, formando um ciclo entre experiência, construção e interpretação.