quarta-feira, agosto 16, 2006

O conceito de mimese na pesquisa qualitativa

Eudes Canuto

É de Aristóteles, filósofo grego, que vem o conceito de mimese, isto é, imitação da realidade. Tanto Platão quanto Aristóteles viam, na mimese, a representação da natureza. Contudo, para Platão toda a criação era uma imitação, até mesmo a criação divina era uma imitação da natureza verdadeira (o mundo das idéias). Sendo assim, a representação artística do mundo criado por Deus (o mundo físico) seria uma imitação de segunda mão. Ou seja, para Platão mimese é imitação.

Já Aristóteles via o drama como sendo a “imitação de uma ação”, que na tragédia teria o efeito catártico. Como rejeita o mundo das idéias, ele valoriza a arte como representação do mundo. Esses conceitos estão no seu mais conhecido trabalho, a Poética. Ou seja, para Aristóteles mimese é representação. Mais recentemente Erich Auerbach, Merlin Donald e René Girard escreveram sobre a mimese. [1]

A mimese é imitação da ação. Há uma separação entre os indivíduos que praticam as artes miméticas e esta divisão é estabelecida conformemente à qualidade dos que representam a imitação. Conclui-se, por fim, que todas as artes poéticas - inclusive a dança, pintura, escultura e música - são reconhecidamente artes miméticas. [2]


Figura 1 – Nesta figura vemos o exemplo de como a expressão artística de um desenhista faz com que o mundo real (piano) seja o modelo do original (desenho). [3]

Como fazer um paralelo do conceito de mimese e a pesquisa qualitativa?

A pesquisa qualitativa, no qual é empregada mais comumente nas ciências sociais, considera textos como material empírico para condução das pesquisas. Já que o texto é algo a ser interpretado para a construção de novas realidades, é necessário também que a realidade do texto seja traduzida para o mundo real, isto é, interpretação de dados como texto, e de texto como dados. O texto é tratado como concepção do mundo, e como discutido pela filosofia moderna, existe a crise da representação e crise da legitimação, que limitam a forma de se conduzir uma pesquisa é através da construção da realidade em textos.

Figura 2 – Flick, Uwe – Introdução à Pesquisa Qualitativa. 2ºEd. Pag. 48



A figura acima mostra bem o ciclo de elaboração de um texto dentro de uma pesquisa. Primeiramente temos os eventos que o pesquisador observa, sendo classificado como experiência, em seguida tem-se a construção do texto a partir das versões de mundo, fruto do conhecimento e finalmente a interpretação que se é feita do texto, atribuindo algum significado.

A mimese na pesquisa qualitativa seria então a concepção do mundo no texto, no qual os indivíduos assimilam o mundo através de processos miméticos. A mimese possibilita que os indivíduos saiam de si mesmos, tracem o mundo exterior dentro de seu mundo interior e dêem expressão a sua interioridade. Cria uma proximidade, de outra maneira inalcançável, com os objetos, sendo assim uma condição necessária da compreensão.

Ao aplicar essas considerações à pesquisa qualitativa e aos textos utilizados dentro da pesquisa, os elementos miméticos podem ser identificados nos seguintes aspectos:

· Na transformação das experiências em narrativas, relatos, etc. por parte das pessoas que estão sendo estudadas.

· Na construção de textos nessa forma, e na interpretação de tais construções por parte dos pesquisadores.

· Por último, quando essas interpretações são reabastecidas em contextos diários, por exemplo, na leitura das apresentações dessas descobertas.

Na pesquisa qualitativa, a produção de textos, a pessoa que lê e interpreta o que está escrito está tão envolvida na construção da realidade quanto a pessoa que redige o texto. [4]
[1] Wikipedia - http://pt.wikipedia.org/wiki/Mimesis
[2] O conceito de mimesis na poética de Aristóteles http://br.geocities.com/ferreavox/mimesis.html
[3] Mimesis: reconsideration of an apparently obsolete concept
http://d-sites.net/english/mimesis.htm
[4] Flick, Uwe – Introdução à Pesquisa Qualitativa. 2ºEd. Pag. 48