quarta-feira, agosto 16, 2006

A seleção de técnicas para a pesquisa qualitativa

Felipe Levy

Os métodos qualitativos trazem como contribuição no trabalho de pesquisa uma mistura de procedimentos de cunho racional e intuitivo capazes de contribuir para a melhor compreensão dos fenômenos estudados. Nas ciências sociais, os pesquisadores, ao empregarem métodos qualitativos, estão mais preocupados com o processo social do que com a estrutura social. Buscam visualizar o conceito e, se possível, ter uma integração empática com o processo objeto de estudo que implique melhor compreensão do fenômeno.

De maneira geral, os dados coletados na pesquisa qualitativa podem ser agrupados de acordo com sua natureza: verbal ou visual. Na coleta de dados verbais, os principais métodos utilizados são as entrevistas semi-estruturadas (entrevista focal, entrevista semipadronizada, entrevista centralizada no problema, entrevista com especialistas, entrevista etnográfica), as entrevistas narrativas, as entrevista episódicas, as entrevistas de grupo, as discussões em grupo, os grupos de foco e as narrativas conjuntas.

Já na coleta de dados visuais, os principais métodos utilizados são a observação, a observação participante, a etnografia, as fotografias como instrumento e objeto de pesquisa e a análise de filmes como instrumento de pesquisa.

Diante de tantos métodos disponíveis à coleta de dados na pesquisa do tipo qualitativa, o pesquisador deve utilizar critérios ou pontos de referência para seleção da(s) técnica(s) mais adequada à sua pesquisa. Não existe uma técnica ideal que deva ser empregada em toda pesquisa e nem todas as técnicas são igualmente aplicáveis em qualquer estudo qualitativo, assunto do qual trataremos mais adiante.

As técnicas para coleta de dados verbais e visuais podem ser comparados de acordo com critérios possivelmente relevantes em uma pesquisa qualitativa, entre eles:

- a abertura para a visão subjetiva do(s) sujeito(s) da pesquisa;

- a abertura para o processo de ações e interações objeto do estudo;

- a estruturação (por exemplo, o aprofundamento) do assunto;

- sua contribuição para o desenvolvimento geral do método;

- o domínio, campo ou área da aplicação da técnica;

- os problemas que podem surgir na condução do método;

- as limitações do método.

As diversas técnicas que visam à coleta e análise de dados verbais e visuais devem ser selecionadas em conformidade com o próprio estudo, sua questão de pesquisa, seu grupo-alvo, entre outros fatores. A questão de pesquisa e o assunto em estudo são os primeiros tópicos a serem considerados na decisão a favor ou contra o uso de um dado método na pesquisa. Alguns exemplos:

- para estudar os processos de desenvolvimento de opiniões, a dinâmica das discussões em grupo seria a técnica mais intuitiva, ao passo que dificulta bastante a análise de experiências individuais;

- eventos do passado podem ser mais bem analisados por intermédio daqueles materiais visuais que surgiram na época em que esses eventos aconteceram; etc.

Os sujeitos da pesquisa constituem o segundo fator a se analisar na decisão sobre a apropriabilidade ou não de uma certa técnica. Por exemplo, para algumas pessoas, reconstruir sua teoria subjetiva sobre um dado assunto ou situação é um procedimento muito estranho, enquanto que para outras pessoas isso é bastante confortável. Outro caso seria o de pessoas que se irritam e constrangem-se mais pela simples observação do pesquisador ou presença da câmera de vídeo do que pela participação temporária do observador em sua vida diária ou o uso de uma simples câmera fotográfica. Estes são apenas alguns exemplos práticos para a seleção da técnica a ser utilizada.

Uma questão essencial a ser considerada é a análise da primeira aplicação da(s) técnica(s) selecionada(s) no campo de pesquisa. O pesquisador deve estar atento em definir até que ponto o método escolhido foi aplicado em conformidade com suas regras e seus objetivos. Após ajustar-se a aplicação ou mesmo a escolha da própria técnica de pesquisa, o pesquisador deve continuar investigando a apropriabilidade da mesma. Listas de verificação (checklists) podem ser utilizadas para essa finalidade.

Os métodos a serem selecionados para a coleta de dados devem ser combinados com os métodos para análise dos dados. De maneira semelhante, a escolha dos métodos verbais e visuais deve levar em consideração os métodos de amostragem disponíveis. Uma próxima etapa seria verificar até que ponto o plano de estudo e sua compreensão das etapas individuais são compatíveis com o conhecimento inerente ao método.

Ressaltamos que não existe um método “ideal” de se estudar algum assunto, ou apenas um caminho legítimo e legítimo em termos metodológicos. A combinação de métodos distintos apresenta-se como uma alternativa para resolver o problema da apropriabilidade do método de pesquisa, principalmente em estudos etnográficos. Em pesquisas qualitativas, uma maneira para se checar a consistência dos dados coletados (validade e confiabilidade são medidas de consistência) é utilizar a triangulação, isto é, empregar métodos diferentes de coleta dos mesmos dados e comparar os resultados. Vários autores defendem a idéia de combinar métodos quantitativos e qualitativos com intuito de proporcionar uma base contextual mais rica para interpretação e validação dos resultados.

Vale ressaltar, finalmente, que, embora se possa distinguir o enfoque dos métodos qualitativos dos quantitativos, não é correto afirmar que eles guardam relação de oposição entre si. Tais pontos de vista não se contrapõem; na verdade, complementa-se e podem contribuir, em um mesmo estudo, para um melhor entendimento do fenômeno estudado. Uma pesquisa, por exemplo, pode revelar a preocupação em descrever e investigar um fenômeno, ao mesmo tempo em que o autor pode estar preocupado também em explicar tal fenômeno a partir de seus determinantes.

Bibliografia

Flick, U. (2004). “Uma introdução à Pesquisa Qualitativa”. Segunda edição. Porto Alegre: Bookman.

Mays, N. & Pope, C. (1995). “Rigour and qualitative research”. BMJ.

Neves, J. L. (1996) “Pesquisa qualitativa: características, usos e possibilidades”. Caderno de Pesquisas em Administração, São Paulo, v. 1, n. 3.
Glazier, J.D. & Powell, R.R. (1992). “Qualitative research in information management”. Englewood, CO: Libraries Unlimited.

Kaplan, B. & Duchon, D. (1988). “Combining qualitative and quantitative methods in information systems research: a case study”. MIS Quarterly, v. 12, n. 4.

3 Comments:

At 10:47 AM, Blogger Alex Sandro said...

Ola Filipe,

Excelente artigo,

Parabéns,
Alex

 
At 4:18 PM, Blogger UNEB said...

Muito bom, chegou em boa hora, me clareou as ideias.

 
At 4:18 PM, Blogger UNEB said...

Muito bom, chegou em boa hora, me clareou as ideias.

 

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